quarta-feira, 20 de abril de 2011

Dia de rir e peidar é em sexta-feira puta, menino!




por Hélio Pajeú



As diversas discursões que tem se instaurado no meu convívio social nestes tempos e que incitam inquietações descomunais em minha consciência tem tirado meu sossego. Esse desassossego, bom, se intensificou na noite passada ao ter minha atenção fisgada por um pequeno trecho da fala, tantas vezes já ouvida, do personagem Jorge de Burgos, d’O Nome da Rosa. A fala cega do monge tornou-se ECO profundo na minha mente, fazendo-me sentir um misterioso fauno no breu do labirinto de sendas destorcidas da própria abadia em que o velho era transeunte na tentativa de esconder o livro do perigo. O perigo que para Aristóteles é prerrogativa humana.

Burgos – O riso é o inimigo do temor... sem o temor ao demônio as pessoas não precisam de Deus.

Essa enunciação do monge me remeteu, quase que instantaneamente, a uma passagem do estudo de Bakhtin sobre o contexto Popular da Idade Média, quando diz lá pela página 34 que por um tempo foi-se apregoado que o “riso foi enviado a terra pelo diabo, apareceu aos homens com a máscara da alegria e eles o acolheram com agrado”. Essa demonização do riso e consequentemente de tudo aquilo que alude ao baixo material advindo do realismo grotesco encontrado na obra de Rabelais me faz compreender a interdição existente de todos esses atos intrinsicamente humanos. Essas atividades que encarnam a ambivalência da carnavalização foram expurgadas do convívio social, de modo que foram instaurados lugares específicos para se falarem delas, para se rirem delas e para praticá-las. E me ponho a refletir sobre o porque não posso peidar onde quero? E me respondem: porque tem o banheiro para isso. Porque não posso rir onde quero? - Porque não se deve rir em lugar sério. Ah que se danem os banheiros e os sérios!

Assim as manifestações do realismo grotesco por suas características libertadoras por meio da transgressão e da quebra da ordem das coisas foram, então, interditadas de nossas ações éticas por uma moral extremamente ideológica, muitas vezes, até pelo próprio riso que desde outrora tanto tememos e que apesar de nos libertar, também nos cerceia em sua forma satírica e reduzida. Prega-se então cagar e peidar no banheiro, não rir na sala de aula, na igreja, no velório, não falar em cu, não citar o pau, não bater uma punheta, diga lá pensar em chamar a coitada da Dona Bucleta, etc. Essa interdição que carrega consigo um cunho de poder cristalino aparece até aqui no word que pede para eu trocar a palavra “cagar” por “defecar”. Oxente, era só o que faltava! Tal coibição é tão presente em nossos dias que até mesmo no banheiro que é o lugar socialmente designado para cagar e peidar, nós desenvolvemos técnicas para disfarçar tais práticas, por exemplo a tentativa de sincronizar a saída da merda com uma tosse em um banheiro de um shopping ou um peido com uma batida do pé no chão, e se é um daqueles que sai rasgando acompanhado por um chorrilho tentamos disfarça-lo dando a descarga concomitante (também para abafar o barulho da queda da bosta na água do vaso) e outras técnicas mais que inventamos a cada dia para nos defendermos desta invenção demoníaca, o riso.

Apesar de o riso nos causar tantos frémitos, cada vez mais não sabemos rir as gargalhadas, porque isso não pode. É feio.

Conto toda essa história porque tais inquietações me fizeram nesta semana futucar no meu balaio de memórias e achar uma daquelas que há muito não encontrava. Ao ser lembrado que semana que vem é dia santo me lembrei de papai e de um acontecimento de minha infância.

Nunca entendi porque na quaresma todo mundo na minha cidade cobria os santos expostos na sala com um lençol branco, e ainda não entendo bem, e talvez essa minha incompreensão torne essa prática objeto de compreensão no meu doutorado. O fato é que na semana santa os santos ficavam todos cobertos e isso me despertava a curiosidade. Um dia perguntei pra papai porque acontecia aquilo e ele me enrolou, talvez não o soubesse também e apenas seguisse a tradição, contudo, me disse:

- Porque na semana santa protegemos os santos do que não presta. Para não verem as coisas feias que fazemos! É como manda a lei. É isso.

Não entendi muito bem. Até hoje não sei bem o que é esse “o que não presta” de papai. Pois bem, além de não comer carne não se poderia fazer o que não se prestasse. Não podia matar passarinho, durante esses dias isso também não prestava. Não podia falar palavrão. Não podia um monte de coisas boas...

Papai nunca teve vergonha de suas necessidades fisiológicas, então em qualquer lugar que estivesse, conversando sobre política ou religião sempre se ouviam, no meio da conversa, peidos estrondosos ou bufas fedorentas que ele soltava e continuava a fazer o que estava fazendo com maior cara lisa. Porém, na tentativa de descobrir o que era que não prestava, observei papai e percebi que durante a semana santa isso não acontecia, sobretudo, na frente dos santos cobertos.

Numa noite de sexta feira santa estávamos assistindo televisão todos reunidos na sala de casa, após o jantar, e me lembro de que apareceu a Elba Ramalho cantando. Aí eu fiquei pensando se ela também fazia o que não presta. Não me contive e perguntei para papai se ela cagava e ele me disse, se esforçando para segurar o riso: Caga sim, um tolete bem grande. Mas hoje não é dia de falar dessas coisas menino besta.

Entendi então que cagar na semana santa também não prestava e devia ser esse um dos motivos do lençol nos quadros, e foi aí que cagar pra mim se tornou uma coisa feia que fazemos. Então pensei que falar de bosta na sexta-feira santa também não era coisa que que preste. Rir então não prestava mais ainda.

Em um momento daquele começo de noite minha irmã se levantou da cadeira, se retirou da sala numa discrição tamanha e se dirigiu a cozinha, retornando alguns segundos depois. Após sua entrada na sala, ao sentar novamente, um cheiro terrível, imaginado de quais entranhas havia nascido, pelo menos por mim, tomou conta da extensão do ar naquele ambiente e causou algo interessante. Imediatamente meu pai peidorreiro ergueu a voz e disse sem hesitar:

- Quem é que tá abrindo o cu aqui?

Coitada da minha irmã, querendo se enfiar debaixo da cadeira, disse: foi eu, mas eu peidei na cozinha.

- Ah sua nega nojenta e a cozinha é lugar de se peidar?

- E eu ia peidar onde?

- E tu peida e vem pra sala? Por acaso o fedor não vem atrás não?

O acontecimento que fez minha irmã ficar vermelha diante de toda a família. Fez também com que eu e minha outra irmã do meio caíssemos na gargalhada, que foram fenecidas pelo olhar severo e meio risonho de papai. Logo lembrei: opa rir na sexta-feira santa não é algo que preste, muito menos peidar na cozinha.

Há muito que não me lembrava desta história, e ela hoje veio cair na minha lembrança justamente por pensar: se não posso rir na sexta-feira santa, então, posso rir em todas as outras sextas-feiras putas, mas me perguntei, porque não rimos atualmente as gargalhadas se existem mais dias putos do que santos? O que houve que não se ri mais? Talvez tenhamos nos esforçado para jogar por terra a afirmação aristotélica, porque todos que conheço já passaram da quarentena primeira e continuam sérios, sem risos, sem um piu! O que será que houve? Hoje nem é dia santo e não estamos rindo. Será que não se pode fazer mais "o que não presta" todos os dias? Aí lascou!!

2 comentários:

  1. Hélio, ao contrário do que fala seu texto, sou uma pessoa que ri, gargalha. Realmente sou em muitas situações criticadas por isso. Mas, não ligo. Na verdade quis escrever esse comentário pra dizer que dei boas gargalhadas lendo o teu texto. Bjo (Jacqueline Cunha-UFRN)

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  2. Ola meu jovem... gostei do seu blog e vi tambem umas fotos suas no blog de uma amiga sua no rio de janeiro e fiquei muito emcionado com a amizade de vocês que durem para sempre. bjão

    Adriano Alves
    Contato por e-mail: adralvess12@hotmail.com

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